Descobrir a magia da pré-adolescência
Não tenho filhos. Quando vejo mães e pais com crianças que aparentam ter entre os 9 e os 13/14 anos, que estão ali numa fase em que não são carne nem peixe, em que já deixaram de ser crianças mas ainda não se sabe bem o que são, penso: deve ser uma seca. Penso, qual será o encanto desta fase?
Nestas idades, já não são as crianças com toda a sua ingenuinidade e graça, mas também ainda não são adolescentes, divertidos e desafiantes, e estão longe de ser os adultos companheiros que se deseja.
A M. tem atualmente 9 anos. Conheci-a com 5 e, apesar de não ter vivido a fase mais infantil, a fase da descoberta do mundo concreto, sinto que já crescemos um pouco juntas.
A M. está a mostrar-me que esta fase, em que andam ali perdidos entre o ser e o não ser também tem o seu encanto. Aos 9 anos começam a mostrar, de forma mais inequívoca, a pessoa que serão. Aos 9 anos começam a estar mais alerta para o abstrato, para as relações entre as pessoas, para os sentimentos, para o significado das coisas. Começam a querer saber a verdade das coisas, a essência. Dão-nos sinais que estão mais atentos ao que acontece todos os dias, que pensam nos pequenos momentos e nas pequenas coisas que vão acontecendo à sua volta.
O último fim-de-semana em que a M. esteve cá em casa deixou-me o coração tão cheio que, se tivesse dinheiro (e autorização) partia com ela numa viagem sem calendário. Uma viagem de descoberta para poder sorver esta fase tão boa.
Apesar de não ser mãe dela, e de não me caber a mim a função educativa, sinto que lhe devo passar alguns valores, que para mim são fundamentais. Porque sinto que há valores que se estão a perder e que, tendo eu oportunidade de os perpetuar com alguém das gerações que se seguirão à minha, tenho o dever de o fazer. Levo a M. comigo aos peditórios do Banco Alimentar e ao abrigo da Associação protetora dos animais. Converso com ela sobre assuntos que nos entram pela casa através da televisão, da internet ou dos livros, como a homossexualidade, a igualdade de género, o racismo, sobre o facto de não podermos por no mesmo saco toda a gente que tenha uma característica comum porque alguns deles fazem coisas más (ciganos, "pretos", muçulmanos, ...), sobre o facto de não termos o direito de gozar e inferiorizar alguém porque é diferente (porque é mais gordo ou mais magro, porque tem o nariz torto, porque tem uma defeciência, ...). Por vezes não uso as palavras concretas, por vezes não falo concretamente no assunto, mas entre as palavras proferidas fica a semente para a consciencialização.
No último fim-de-semana cá em casa, quando estava para regressar a casa da mãe, a M. pediu-me para levar um livro que comprei quando fiz estágio numa escola. Um colega de turma tinha andado a "gozar" com uma menina por ser mais gorda e ela queria pedir à professora que lesse o livro na aula. O facto de ela ter achado a atitude do colega errada e querer fazer algo a respeito disso, deixou-me cheia de orgulho, deixa-me lágrimas nos olhos cada vez que penso nisso.
A M. é uma menina doce e alegre e fico feliz por ver que se está a tornar numa menina crescida, consciente e alerta para as injustiças, que está pronta a arregaçar as mangas para ajudar e para fazer o que é correto. Esta foi apenas uma das situações, nos ultimos tempos, em que ela me fez ver como esta fase é encantadora, à sua maneira. A M. não pode ver um animal na rua sem achar que temos que fazer algo, não pode ver um peditório sem achar que precisamos de ajudar, não pode ver uma pessoa a ser inustiçada sem querer intervir.
Minha querida M., obrigada por me mostrares a beleza desta fase, a magia do crescimento e do desenvolvimento de menina a futura mulher, obrigada por me ajudares a manter a esperança num futuro justo.